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Foto do escritorDaniel Patti Advogados

Ações Afirmativas do PROUNI, uma análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.330

Hoje, trazemos um trabalho acadêmico sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.330 que aborda as Ações Afirmativas do Programa Universidade para Todos (PROUNI), o qual o sócio fundador do escritório (Dr. Daniel Patti Júnior) fez durante a faculdade de direito. É uma abordagem jurídica que mostra a importância dessa e outras políticas afirmativas a fim de diminuir as desigualdades sociais no Brasil. Segue o trabalho na integra:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.330

AÇÕES AFIRMATIVAS DO PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS


I. RESUMO: O caso analisado trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), pelo partido político Democratas (DEM) e pela Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (FENAFISP), em face da Medida Provisória nº 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, a qual institui o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que regula a atuação de entidades de assistência social no ensino superior e dá outras providências. A votação do Supremo Tribunal Federal teve início em 02 de abril de 2008 e término em 03 de maio de 2012, a demora foi devido ao pedido de vista dos autos pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa. O Tribunal, por unanimidade, não conheceu da ação proposta pela Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social, por falta de legitimidade desta, e julgou improcedente a ação, negando o pedido de preliminar.


II. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA, DESTACANDO A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS


O PROUNI (Programa Universidade para Todos) é um programa que oferece bolsas de estudo, integrais e parciais de 50%, em instituições particulares de educação superior[1], com objetivo de democratizar o acesso ao ensino superior aos jovens de baixa renda.


Para concorrer às bolsas integrais, o estudante deve comprovar renda familiar bruta per capta de até 1,5 salário-mínimo. Para as bolsas parciais de 50%, a renda familiar per capta deve ser de até 3 salários-mínimos[2].


Além disso, só poderá se inscrever no PROUNI o estudante brasileiro que não possua diploma de curso superior e que tenha participado do Enem mais recente e obtido, no mínimo, 450 pontos de média das notas. Ademais, o estudante não pode ter tirado zero na redação[3].


O PROUNI oferece percentual de bolsas de estudo destinado à implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e pardos ou pretos[4]. Esse percentual deverá ser, no mínimo, igual ao percentual segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na respectiva unidade da Federação.


Os autores das ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) argumentam que a Medida Provisória 213/2004 (MP) desrespeita os princípios da legalidade, da isonomia, da autonomia universitária e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Então, são esses os princípios que estão em colisão entre si ou com o Princípio de acesso à Educação.


Quanto ao princípio da legalidade os autores da ADI alegam que não era possível a edição da MP 213/2004 e sua conversão na lei 11.096/2005 por não atendimento dos pressupostos de relevância e urgência.


Contudo, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.582/2004 para regular a criação do PROUNI. Devido à demora da tramitação, foi requerida urgência constitucional para a tramitação do projeto. Ocorre que, paralelamente ao Projeto de Lei, tramitava o projeto de lei de diretrizes orçamentárias referente ao ano de 2005, o que, consequentemente, retardou ainda mais a votação do projeto que visava à criação do PROUNI.


Diante desse cenário, o governo considerou emergencial a necessidade de aumento do número de vagas de Ensino Superior para atenuar os baixos índices de acesso à universidade no Brasil, então foi solicitada a retirada do Projeto de Lei nº 3.582/2004 e, posteriormente, editada a MP 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005. Percebe-se que houve uma colisão quanto ao Princípio da Legalidade sobre a necessidade a relevância e urgência para edição de Medida Provisória e o STF decidiu pelo preenchimento dos requisitos da MP.


Ainda, dentro do Princípio da Legalidade os autores da ADI afirmam que a CF/1988 estabeleceu que cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Porém a MP 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, apenas regulou a forma pela qual se deve investir o resultado operacional obtido também por meio da imunidade tributária, objetivando a ampliação do acesso ao Ensino Superior, mediante concessão de bolsas de estudos. Significa dizer que em vez de arcar diretamente com os custos das bolsas de estudo concedidas aos estudantes, o Poder Público concede a “isenção” às entidades educacionais para que estas apliquem o resultado daí obtido no financiamento dessas bolsas. Assim, não sendo necessário edição de Lei Complementar.


Já sobre o Princípio da Isonomia os autores das ADI alegam que há uma violação ao princípio, nesse caso há uma colisão de direitos fundamentais idênticos como nos ensina Robert Alexy[5], pois não há violação, mas sim uma interpretação diferente, os autores acreditam que o PROUNI fere a isonomia ao conceder Bolsa de estudo as pessoas de baixa renda ou garantindo as vagas proporcionais a população brasileiras como pessoas com deficiência autodeclarados índios, pardos ou pretos. Eles acreditam que viola o também o Princípio de Acesso à Educação no art. 208, V, da Constituição que assegura o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Veja que neste caso os autores da ADI veem uma colisão entre o Princípio da Isonomia e do Acesso à Educação.


Mas, o que o PROUNI faz de fato é tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, como nos ensina Ruy Barbosa[6], proporcionando a todos que conseguem passar no vestibular e preenchem os requisitos do programa a bolsa de estudo para cursar uma faculdade.


Sobre o Princípio da Autonomia universitária, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, os quais os autores das ADI também argumentam serem desrespeitados, o STF decidiu que o PROUNI não prejudica às instituições de Ensino Superior quanto a esfera de a autogestão administrativa, financeira, patrimonial e didático-científica, sendo livre da interferência do Estado.


Desse modo, o STF decidiu que o PROUNI e nem o governo não influenciam nos critérios e normas de seleção e admissão dos corpos docente e discente, nem na criação, a modificação e a extinção de cursos, assim como a determinação da oferta de vagas nesses cursos de nível superior.


Por fim, o PROUNI não cria qualquer obrigação às universidades. O programa só traz uma nova opção a elas, que podem aderir ao programa voluntariamente ou não. Portanto, o STF não viu colisão destes princípios com outros.


III. PRINCIPAIS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELOS MINISTROS E A UTILIZAÇÃO DA PONDERAÇÃO E PROPORCIONALIDADE


Por maioria o voto do Relator, Ministro Ayres Britto (Presidente), foi julgada improcedente a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3330). O Senhor Ministro Marco Aurélio foi vencido. Impedida a Senhora Ministra Cármen Lúcia. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e, em viagem oficial, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski.


A Presidência da sessão foi do Senhor Ministro Ayres Britto. Estiveram Presentes os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber.


Portanto, abaixo será destacado os principais argumentos do relator e do Ministro Joaquim Barbosa que tiveram suas teses como vencedora e considera-se as mais importantes e, por outro lado, será abortado, também, o voto do Marco Aurélio, que foi o único contrário na ADI 3330.


A. VOTO DO RELATOR MINISTRO AYRES BRITO


O relator iniciou votando pela ilegitimidade da FENAFISP, isto porque, embora o inciso IX do art. 103 da Constituição Federal haja atribuído legitimidade ativa ad causam às entidades sindicais, restringiu essa prerrogativa processual às confederações sindicais; que não é o caso da Autora, porém deferiu a participação no presente feito na condição de amicus curiae.


Em relação a alegação da não observância dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, o ministro relator argumenta que a conversão de medida provisória em lei não prejudica o debate jurisdicional sobre o atendimento dos pressupostos de admissibilidade.


O relator segue falando sobre educação, a qual a Lei Republicana tem elevadíssimo apreço. Dela trata, inicialmente, no seu art. 6º, para erigi-la à condição de direito social. Já no inciso V do seu art. 23, a Lei Federativo-Republicana trata de densificar esse direito, ao estabelecer que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar “os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”. Donde “a competência legislativa concorrente sobre a matéria, a teor do inciso IX do artigo constitucional de nº 24. Isto de parelha com a competência legislativa da União para dispor, privativamente, sobre “diretrizes e bases da educação nacional” (inciso XXIV do art. 22 da CF)” [7].


Ademais, argumenta que a Constituição figuram normas que: a) impõem às famílias deveres com educação (caput do art. 205); b) fazem do ensino uma atividade franqueada à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de “cumprimento das normas gerais da educação nacional”, mais a “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” (art. 209, coerentemente, aliás, com o princípio igualmente constitucional da “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”); c) ainda admite a prestação do ensino por “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”, mediante o preenchimento de requisitos também expressamente indicados (incisos I e II do art. 213)[8].


A preocupação com a educação é tamanha que cuida em capítulo próprio referente a ordem social, e prevê que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”[9].


Portanto, o Estado tem o dever de garantir à sociedade, acesso universal e gratuito à educação, direito social que todos devem alcançar. Por isso é dever do Estado e uma das políticas públicas prioritárias, que devem sofrer contribuições da sociedade civil, uma vez que a CF, também impõe às famílias os deveres com a educação, franqueou o ensino a atividade privada, desde que sejam cumpridas normas gerais da educação nacional.


Diante desse conjunto normativo-constitucional Aires Brito defende que cabe à União exercer a matéria, posicionando nos temas centrais de facilitar o acesso de estudantes economicamente débeis ao ensino universitário e a atuação de entidades de assistência social no ensino superior.


Aires Brito afirma que ao ampliar o conceito de “entidade beneficente de assistência social”, tais dispositivos legais criaram condições para que várias instituições gozassem de desoneração fiscal. Benefício, esse, que operaria como uma verdadeira limitação ao poder estatal de tributar, e, por isso mesmo, submetido à ressalva de lei complementar.

Desse modo, Brito afirma que a lei do PROUNI não editou em nenhum momento matéria reservada a lei complementar, no que tange ao poder de tributar, mas apenas tratou, tão somente, de criar um critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais. Que quando atendido tais critérios, as instituições de ensino lograrão o gozo integral da isenção quanto aos impostos e contribuição previstos no artigo 8 da lei 11096/2005.


Quanto ao princípio da isonomia, argumenta o relator que o substantivo igualdade, mesmo que tenha o significado de coisas iguais, só tem valor se tem no combate da igualdade, o combate aos fatores reais de desigualdade. Afirma que é pelo combate eficaz à desigualdade que se concretiza o valor da igualdade.


Por isso, a Constituição Federal colocou como objetivos fundamentais a radicalização da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.


Assim, o típico da lei é fazer distinções, diferenciações, desigualações. A lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social[10].


Outrossim, afirma que os objetivos centrais do Estado brasileiro é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inciso IV do art. 3º). Portanto, procedência geográfica de alguém, assim como a raça, o sexo, a cor e a idade de quem quer que seja nada disso pode servir, sozinho, como desprimoroso parâmetro de aferição da valiosidade social do ser humano[11].


Desse modo, o relator considera que a axiologia constitucional é tutela de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados com os negros e os índios, que não por coincidência, se alocam nos patamares mais inferiores da pirâmide social. Nesse sentido, considera importante a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que tenham sido contemplados com bolsa integral terem bolsas de estudo contempladas por meio do PROUNI[12].


Dessarte, não ofende a Constituição Federal, o relator considera que é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, sim, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem.


Então, a isonomia a ser considerada é a da busca de equiparar alunos de baixa renda selecionados conforme critérios sócios econômicos e raciais, e, desse modo, é considerado que possuem uma ‘menor qualificação’ que os demais cidadãos brasileiros, configura-se uma autêntica discriminação, sendo uma ofensa ao art. 3º, incisos III e IV, e ao art. 5º da Carta Magna, portanto o PROUNI de certo modo quebra essa barreira.

Quanto ao argumento da violação ao princípio da autonomia universitária, o ministro relator não acolheu, pois o PROUNI é um programa de ações afirmativas de participação e adesão totalmente voluntária, sendo incompatível com qualquer ideia de vinculação forçada.


Considera, também, que não viola a liberdade de iniciativa da autonomia privada, por ser uma liberdade pública, está sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, que se justifique pelo objetivo maior de proteção de valores, também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes de uma existência digna. Assim, a lei que regula e impõe condicionamentos ao setor privado, conferindo concretude a objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária[13].


Sobre a ofensa do princípio da legalidade, os autores da ADI argumentam que o artigo 9 da lei 11.096/2005 cria sanções para as instituições que descumprires as obrigações assumidas após a assinatura do termo de adesão do programa do PROUNI, assim, invocam o artigo 5, inciso 39 da Constituição, o qual afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Ocorre que o relator não considera de ser matéria de natureza penal, motivo pela qual não cabe a tese da autora, uma vez que se trata de matéria essencialmente administrativa. Sendo o ensino livre a iniciativa privada, mas sob duas condições constitucionais, a autorização para o funcionamento e avaliação de qualidade pelo poder público, sendo tão administrativa a matéria. Os que descumprirem tal procedimentos ali citados apenas estão expostos a abertura de processo administrativo, com total observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.


Por fim, o relator não enxergou nos textos impugnados nenhuma ofensa à Constituição, e, desse modo, julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº. 11.096/05.


B. VOTO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA


O Ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator, porém vale destacar alguns pontos de seu voto.


Sobre ao princípio da isonomia, o ministro mostra que a lei 11.096 estabelece cinco critérios distintos e concomitantes para que o estudante possa se candidatar a uma bolsa, mantida pelo PROUNI, em uma universidade privada: 1) ser brasileiro; 2) não ser possuidor de diploma de curso superior; 3) ter renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, para bolsa integral; ou de até três salários mínimos, para bolsa parcial; 4) ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral; 5) ser submetido e aprovado no processo seletivo adotado pela instituição de ensino superior privada escolhida.


Esses cinco critérios foram ditados pelo legislador para atender duas situações: o nível baixíssimo da população que obtém grau acadêmico universitário e a existência de vagas ociosas nos cursos superiores do país, predominantemente em universidades privadas. Portanto, é clara a dificuldade ao acesso à educação superior pela população das camadas sociais mais baixas, frente a grande dificuldade de arcar com os custos das altas mensalidades e demais despesas universitárias.


A pobreza crônica passa por diversas gerações e atinge um contingente considerável de famílias do nosso país, sendo fruto da falta de oportunidades educacionais, o que leva, por consequência, a uma certa inconsistência na mobilidade social, fazendo as camadas mais pobres permanecerem por diversas gerações nas mesmas condições.


Isto caracteriza, segundo o ministro, o que se pode qualificar como “ciclos cumulativos de desvantagens competitivas”, elemento de bloqueio sócio-econômico que confina milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza.


O PROUNI nada mais é do que uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. Desse modo, investi pontualmente, ainda que de forma gradativa, mas sempre com o intuito de abrir oportunidades educacionais a segmentos sociais mais amplos, que historicamente nunca as tiveram, constitui objetivo governamental constitucionalmente válido. O importante é que o mencionado ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados. Assim, uma forma de proporcionar a mobilidade social é o investimento no nível de escolaridade da população, facilitando o acesso e a permanência no ensino superior.


Assim, Joaquim Barbosa demonstra que a tese do programa ofender o princípio constitucional da isonomia não condiz muito com os fatos. Demonstra que, também, prevalece no ordenamento jurídico brasileiro a igualdade material e não a meramente formal, de igualdade perante a lei, já que a Constituição Federal traz uma opção clara ao princípio da igualdade material, abarcando a ideia de que é necessário extinguir ou pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, consequentemente, promover a justiça social. O art. 3º da Constituição inclui dentre os objetivos fundamentais do Estado, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”[14].


Ademias, segundo Joaquim Barbosa, a medida social embutida no PROUNI tem o nítido caráter de inserção e “empoderamento” de uma parcela numerosa da nossa população, sem que dela decorram prejuízos para outros segmentos sociais, uma vez que o acesso ao ensino superior está igualmente franqueado a todos.


Assim, o PROUNI faz uma escolha, baseada em critérios preestabelecidos em lei, de beneficiários de bolsas de estudo. Quanto à ofensa ao princípio da autonomia universitária, o ministro Joaquim Barbosa afirma que o artigo 207 da CF/88 garante às universidades a autonomia didático-científica, administrativa e a de gestão financeira e patrimonial. Afirma, também, que a lei do 11.096/2005 não ofende a autonomia em qualquer de seus aspectos, uma vez que, a lei confirma esse aspecto ao estabelecer, a voluntariedade de adesão ao programa, no passo, que nenhuma instituição particular está obrigada a se vincular ou a se manter no programa, uma vez que a data de validade do programa é de 10 anos[15].


Ademais, prossegue a argumentar a autonomia universitária não tem o objetivo de se esgotar em si própria, ela existe para atingir objetivos de natureza educacional, cultural e social. Também não se vislumbra ofensa ao princípio da livre iniciativa, uma vez que a atividade desenvolvida pelas universidades particulares que aderirem ao PROUNI não sofre qualquer restrição. Em alguns aspectos, até ajudam, tendo em vista a legítima preocupação com a ociosidade de vagas nestas instituições de ensino superior, a lei pode até favorecer a manutenção de suas atividades, em razão dos benefícios tributários que passarão a usufruir.


Sobre o princípio da legalidade, seguiu o mesmo voto do relator, Ayres Britto, nítido o caráter administrativo das sanções ali dispostas, em nada se assemelhando à normas de conteúdo criminal.


A respeito das questões tributárias, afirmou que os autores fazem confusão entre os regimes das entidades assistenciais e das entidades privadas voltadas à exploração lucrativa, uma vez que o artigo 195, § 7 da Constituição Federal adota três critérios para o reconhecimento da imunidade ao pagamento de contribuições destinados ao custeio da seguridade social, que são: 1) o caráter beneficente da entidade, 2) dedicação às atividades de assistência social; 3) observância às exigências definidas em lei[16].


Outrossim, o artigo 206 da Constituição Federal define a finalidade a serem atingidas nas ações da assistência social. Assim, para caracterizar-se como ação de assistência social, a prestação dos benefícios e serviços deve ainda ser universal e gratuita. Nesse sentido, o PPROUNI utiliza a capacidade ociosa das instituições privadas voltadas ao lucro, que obviamente não são assistenciais nem filantrópicas, para promover o acesso à educação de grupos de pessoas em evidente desvantagem social, econômica e histórica, segundo critérios bem determinados.


Dessarte, o PROUNI traz incentivo fiscal à integração das instituições educacionais de exploração privada na política de ampliação de acesso à educação, sem reger diretamente as atividades sem fins lucrativos próprias das entidades assistenciais. Por se tratar de incentivo fiscal, o PROUNI não versa sobre a imunidade das entidades assistenciais e, por tal razão, não necessita de lei complementar para ser instituído[17].

Por fim, Joaquim Barbosa acompanhou o relator, para julgar improcedente o pedido. A ministra Rosa Weber, endossou integralmente seu voto. O Ministro Dias Toffili subscreveu seu preciso voto e julgou improcedente a ação.


C. VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO


O Senho Ministro Marco Aurélio foi o único que apresentou voto contrário ao relator. Ele considera que tem duas vertentes diversas, a primeira, a do politicamente correto. Não há quem, sob essa óptica, deixe de endossar o PROUNI. A segunda, a do politicamente jurídico, que importa sobremaneira ao Judiciário.

Concorda com o voto do presidente em relação à urgência, já que é possível o encaminhamento de projeto de lei acompanhado de pedido de urgência.


Ademais, ele afirma que o que se acabou por disciplinar com a medida provisória em questão foi o poder de tributar, uma vez que o artigo 146 da Carta Magna, remete a lei necessariamente complementar e não a lei ordinária. Então, se tem um problema seríssimo, a utilização da medida provisória: é que medida provisória não serve a disciplinar tema reservado à lei complementar. A vedação está no inciso III do artigo 62 da Constituição Federal, o qual dia que em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. Sendo vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria, que é reservada a lei complementar. Então, ele considera que o certo seria falar em imunidade, de isenção.


Marco Aurélio, considera que o vício originário, quanto à edição da medida provisória, contamina a lei de conversão. Em síntese, a lei de conversão é válida, se válida for a medida provisória.


Em relação a autonomia universitária, afirma que se tem maltrato no que simplesmente passa o Ministério da Educação, com o poder de uma carta em branco para revelar situações concretas a atraírem sanção, a substituir-se às universidades.


A lei do PROUNI implica delegação, ao prever sanção, ferindo assim o princípio da legalidade. Uma vez que projeta as situações concretas que possam gerar as sanções, então se a lei de conversão da medida provisória que para o ministro não foi interpretada conforme a CF, além de que se tem entidades que já foram beneficiadas pela imunidade, porém vem a lei do PROUNI e confere isenção a elas, e caso não adiram ao PROUNI, perderão algo assegurado constitucionalmente.


Na questão da imunidade, entende que essa lei veio o Estado a cumprimentar com chapéu alheio[18], deixando no ar a perda da imunidade prevista no artigo 150 na Carta da República, a impor, para se ter a isenção – e não se pode cogitar de sobreposição, a um só tempo, versar-se o direito à imunidade e o direito à isenção, já que são valores que se excluem, sendo o primeiro mais abrangente do que o segundo –, até mesmo àquelas universidades detentoras da prerrogativa estampada na imunidade, para continuarem tendo jus a essa imunidade, a adesão ao PROUNI e fazer o que ele não faz: abrir vagas aos estudantes egressos de escolas públicas.


Marco Aurélio afirma que seu compromisso, mesmo que isolado no colegiado, é com o politicamente correto, se estiver, sob a óptica dele, segundo ciência e consciência possuídas, harmônico com a Carta da República. Portanto, julgou procedente a ADI 3330.



IV. CRITÉRIOS DE MÉTODO E PRINCÍPIOS DA HERMENÊUTICA UTILIZADOS NA DECISÃO


A hermenêutica constitucional é o estudo da interpretação da norma constitucional, a qual estabelece características e métodos para que a aplicação da norma aconteça. Sendo que a interpretação não deve ser apenas enfática apenas na norma em análise, mas o entendimento ocorre por meio da própria interpretação do juiz, ou seja, o juiz interpreta o conteúdo da norma e a vontade do legislador, além de avaliar o contexto social em que se vive.


Contudo, há grande riscos na interpretação, como a ausência de limites à atuação do juiz, que pode, por exemplo, violar a separação dos poderes e extrapolar, assim, os limites do poder judiciário. Então, para buscar anular ou mitigar esses riscos é preciso atentar para as características, princípios, regras e métodos da hermenêutica constitucional. Portanto, cabe ao julgador concentrar-se na identificação dos princípios constitucionais, interpretar de forma sistemática, ater-se a interpretação levando os contextos sociais, utilizar a Constituição como lei fundamental para buscar a constitucionalidade ou não dos atos do poder público.


Nesse sentido, no caso da ADI 3.330, a qual trata sobre cotas raciais, a hermenêutica constitucional foi aplicada devido à presença do método hermenêutico científico-espiritual e dos princípios do efeito integrador e da máxima efetividade quando os ministros avaliaram as políticas afirmativas.


A ADI 3.330 buscava a inconstitucionalidade do PROUNI por considerar uma ofensa aos princípios da isonomia, da autonomia universitária e da iniciativa privada. A decisão dos ministros buscou em preceitos constitucionais a solução do litígio, entretanto, precisou considerar também a realidade político-social do Brasil.


Desse modo, aplicaram o método científico espiritual, que representa a interpretação do juiz não à literalidade da norma, mas considerando a realidade social e os valores subjacentes do texto constitucional. Portanto, observaram o grande número de pessoas que estudaram em escola pública e que não possuíam condições econômicas para ingressar em universidades privadas e tão menos possuírem uma boa formação para entrarem por meio dos vestibulares em universidades públicas. Assim, os ministros analisaram dados que comprovavam a o número grande de vagas sobressalentes nas universidades privadas.


Outrossim, a decisão dos ministros utilizou do princípio do efeito integrador por ver que o PROUNI favorece uma integração político-social, o qual oferece oportunidade de ingressarem na universidade, por meio de bolsas de estudo, às pessoas que não possuem condições econômicas e que, consequentemente, obtiveram pouca oportunidade durante a vida.


Também, utilizou-se o princípio da máxima efetividade, o qual dita o dever de ser atribuído à norma constitucional a maior eficácia. Portanto, na decisão os ministros se basearam no princípio da igualdade no sentido de que é necessário tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, sendo um dos objetivos fundamentais da república, previsto no art. 3º da Constituição Federal.


Diante do exposto, a decisão do Supremo Tribunal Federal mostra-se em total consonância com os métodos e princípios da hermenêutica constitucional ao decidir pela improcedência da Ação Direta de Constitucionalidade contra a Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005.


V. CONCLUSÃO


Diante do estudo da ADI 3330 é possível compreender que o PROUNI não viola os preceitos fundamentais da Carta da República, que o programa trata de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior aos portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e pardos ou pretos, a fim de diminuir, entre outras, as desigualdades sociais.


Nesse sentido a ADI não desrespeita os princípios da legalidade, da isonomia, da autonomia universitária e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Ademais, compreende-se que há momentos que há colisão entre esses princípios e, também, ao Princípio de acesso à Educação.


Mas, o mais surpreendente que o estudo desse tema traz são as inúmeras reflexões dos problemas sociais vividos no Brasil, sobretudo a desigualdade social que ainda assombra esse povo e voltou a crescer nos últimos anos.


Diante desse cenário do PROUNI, percebe-se que houve uma aceitação social, pois o programa satisfez dois polos antagônicos da sociedade, de um lado, os pobres e historicamente escravizados que não têm direito ao acesso à educação e, de outro lado, a elite econômica donos das grandes universidades no Brasil. Pois, a proposta contemplou o pobre, que não tinha possibilidade de acessar a universidade e nem a realização do sonho de ver seus filhos “doutores”, e, também, a elite econômica que possui diversas vagas não preenchidas em suas universidades, maximizando, desse modo, seus lucros.


Mesmo assim, parte da elite somada a uma parcela da classe média que não tem relação econômica com as universidades via-se insatisfeita por ver “o filho da empregada virar doutor”, como diz a frase popular dos lutadores contra o racismo. Talvez, entre outros, essa frase justificaria os argumentos trazidos na ADI pelos autores, respeitando é claro o voto divergente do Ministro Marco Aurélio.


Sabe-se, então, que no Brasil ainda perdurar o racismo estrutural, e muitas das vezes utilizam o judiciário para perpetuar o status quo, mesmo contra os valores sociais da carta magna. Porém, felizmente na decisão da ADI 3330 prevaleceu os valores sociais consagrados no pacto social de 1988.


Entre essas reflexões, que traz esse estudo e não nos deixa calar, é sobre o verdadeiro papel e os valores econômicos despendidos no PROUNI, pois fica claro que as vagas não são criadas pelo programa e muito menos ofertada gratuitamente pelas universidades, são vagas sobressalentes, muitas vezes não disponíveis nos cursos mais caros e concorridos, e que são pagos pelo Estado por meio de isenções tributárias.


É verdade que o PROUNI deveria ser um programa paliativo, pois ao passar dos anos somado com outras políticas afirmativas era para as desigualdades sociais e o preconceito irem diminuindo, apesar que isso ainda está muito longe do Brasil atual.


Então, talvez não fosse mais interessante à sociedade que ao invés de oferecer isenções às universidades privadas, a médio e longo prazo esses valores fossem destinados a investimentos a fim de aumentar o número de vagas em universidades públicas? Reservando, assim vagas no vestibular a políticas afirmativas com o mesmo fim do PROUNI.


Essa é uma reflexão que talvez valha a pena, ainda mais se levarmos em conta a comparação da qualidade de ensino e os fins sociais entre as universidades privadas e públicas no Brasil.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. Cap. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito. [https://classroom.google.com/u/0/c/Mjc4NDYwMDkyMzY1/m/MjgzMTgwOTY5NjQw/details].

MEC (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO). Programa Universidade para Todos [http://PROUNIportal.mec.gov.br/]. Acessado em 03/05/2021

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro, Editora Leya, 2017.

STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL). ADI 3330 (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.330). [https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3530112]

[1] MEC (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO). Programa Universidade para Todos [http://PROUNIportal.mec.gov.br/]. [2] Ibidem. [3] Ibidem. [4] STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL). ADI 3330 (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.330). [https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3530112] [5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução em 2008. p. 69-70. [6] STF (Supremo Tribunal Superior). ADI 3330. p. 2-3. [7] Ibidem. p.17. [8] Ibidem. p.18. [9] Ibidem. p.17. [10] Ibidem. p. 2. [11] Ibidem. p. 13. [12] Ibidem. p.13. [13] Ibidem. p.31 [14] Ibidem. p. 45. [15] Ibidem. p. 38. [16] Ibidem. p. 49. [17] Ibidem. p. 50. [18] Ibidem. p.68.

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