Sabemos que, no mundo inteiro a maior parte da população é feminina, porém as mulheres continuam sendo objetificadas, discriminadas, desrespeitadas, diminuídas e abusadas (psicologicamente e fisicamente) diariamente, e, em razão disso, recentemente, a luta contra o machismo, em busca da igualdade de gênero, começou a gerar efeitos, porém, está apenas no começo. As mulheres garantiram seu direito ao voto, ao trabalho, mas ainda lutam para serem reconhecidas, para receberem um salário justo, para serem respeitadas, para estarem em posições iguais sem distinção de gênero, entre tantas outras coisas.
Em vista disso, um grande exemplo de uma das lutas das mulheres, está no sistema carcerário feminino brasileiro, que de forma genérica já possui diversos problemas, porém, especificamente em torno do tratamento dado às mulheres que se encontram nestes locais, os problemas se agravam e essa desigualdade que existe fora das grades se agrava dentro delas.
Mulheres e homens são biologicamente diferentes e por conta dessas diferenças que as mulheres foram diminuídas e tratadas como inferiores durante tanto tempo, pois a força física determinava o poder, entretanto, essas diferenças biológicas continuam presentes e as mulheres continuam tendo necessidades diferentes e que não estão sendo respeitadas no sistema carcerário, fazendo com que percam sua dignidade, sem o mínimo para as suas necessidades básicas, como a higiene, e ainda, em relação a maternidade a situação piora, pois não se trata apenas de uma situação onde mulheres não são respeitadas, mas também muitas vezes terceiros utilizam da maternidade para induzir ao mundo do crime e ameaçar as mulheres encarceradas.
E, em vista de todos esses problemas, é extremamente necessário entender a situação e os problemas que as mulheres encarceradas são submetidas, como:
I. MACHISMO NO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO
O machismo é presente na nossa sociedade, porém dentro do sistema carcerário feminino ocorre de maneira mais grave.
A primeira questão, é que, de acordo com o art. 27, § 2º da Lei de Execução Penal, em presídios femininos só se permitirá trabalho de pessoas do sexo feminino. Entretanto, na realidade não é dessa maneira que ocorre, pois existem diversos profissionais do sexo masculino trabalhando nas prisões, inclusive, diversas mulheres que estão presas, alegaram, que foram assediadas verbal ou fisicamente por agente penitenciário do sexo masculino.
Nessa Lei também consta, que homens e mulheres devem estar separados em estabelecimentos carcerários femininos e masculinos. Porém, não foi sempre assim, a primeira prisão feminina do Brasil, Madre Pelletier, foi construída em 1937 e até este momento, as mulheres eram obrigadas a ser encarceradas junto com outros homens e muitas delas foram estupradas e prostituídas.
Além disso, quantidade de prisões direcionadas para mulheres são inferiores as prisões masculinas, segundo os dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), 75% das prisões no Brasil são exclusivamente masculinas; 17% são mistas e somente 7% são somente a mulheres, sendo um grande problema, em vista que, a quantidade de mulheres que foram encarceradas em 10 anos aumentou em 261%, e a quantidade de homens teve aumento de 106%, ou seja, quase o triplo de mulheres em relação aos homens, o que ocasiona, a superlotação de mulheres no sistema carcerário, faltando espaço para as mulheres nos presídios femininos, sendo forçadas a se instalarem nos presídios mistos, onde, muito provavelmente se tornarão vítimas de abusos sexuais, verbais e morais.
E, além do mais, o machismo no sistema penitenciário já se inicia no momento em que a mulher é presa, pois em casos de flagrante, por exemplo, a mulher deve ser acompanhada até a delegacia por policiais mulheres, e não homens, o que muitas vezes não acontece e as mulheres são acompanhadas somente por homens, o que pode tornar a situação desconfortável e intimidante.
II. AGRESSÃO DAS MULHERES NO SISTEMA CARCERÁRIO
De acordo com a secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Sílvia Rita Souza, 95% das mulheres encarceradas já sofreram violência nas prisões, inúmeras mulheres presas, alegam ter sofrido violência por parte dos policiais, como, espancamento, choques elétricos, abusos sexuais, ameaças de morte, suborno e até afogamento. E, infelizmente, apesar de ilícita, essas práticas violentas e agressivas dos policiais ocorrem diariamente, em todos os presídios, delegacias e ocorrências do país.
III. HIGIENE
O sistema penitenciário brasileiro, em relação às mulheres, ainda é demasiadamente precário no que diz respeito às condições de higiene, seja pessoal ou do local. Dessa forma, não é cumprida a Lei de Execução Penal, isto é, a promessa de garantir um tratamento decente e humanizado para os detentos como constado em diversos artigos da Lei 7.210:
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
§ 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
Nas prisões, não são levadas em consideração as necessidades e particularidades do sexo feminino, independente de seus direitos humanos, um item de higiene que costuma faltar nos presídios femininos é o absorvente, que muitas vezes são doados ou levados por familiares, o que não ocorre muita das vezes, pois, grande parte dos familiares abandonam as mulheres presas, e elas acabam ficando sem esses itens básicos.
Por isso, as mulheres acabam guardando jornais para usar de papel higiênico, por exemplo, pois não fornecem o necessário às duas idas ao banheiro, diferente dos homens, o sexo feminino precisa de mais papel. Além disso, produtos utilizados para vaidade, como tintas de cabelo e shampoo, são trocados por serviços de faxina e de cabelereiro realizados por elas dentro das áreas do presídio, devido a escassez.
Quanto ao ambiente, os lugares são sujos, com problemas nas instalações e falta de alimentação, tudo isso gera comprometimento da saúde, acabam tendo que dormir no chão, revezando as camas, problemas presentes na grande maioria das prisões, tanto masculinos como femininos.
Além disso, não possuem privacidade nem na hora de suas intimidades ou necessidades fisiológicas, pois os banheiros não têm portas, e também não são na quantidade adequada para o número de encarceradas, o que acaba contaminando todo o local com o cheiro, somado à falta de limpeza regular, gerando diversos problemas relacionados a saúdes das encarceradas.
Segundo o médico Dráuzio Varella, no livro Prisioneiras, por exemplo, foi apresentado pelo mesmo que as mulheres apresentam muito mais problemas relacionados à saúde do que os homens, constando assim, como o descaso com a higiene das mulheres presas caminha em total divergência com o que é garantido na lei como direito e fere a fundamental dignidade humana:
“Os problemas de saúde eram muito diferentes daqueles que eu havia enfrentado nas prisões masculinas. Em vez das feridas mal cicatrizadas, sarna, furúnculos, tuberculose, micoses e as infecções respiratórias dos homens, elas se queixavam de cefaleia, dores na coluna, depressão, crises de pânico, afecções ginecológicas, acne, obesidade, irregularidades menstruais, hipertensão arterial, diabetes, suspeita de gravidez. Afastado da ginecologia desde os tempos de estudante, eu não estava à altura daquelas necessidades.” VARELLA, Dráuzio. Prisioneiras. São Paulo, Companhia das Letras, 2017.
Portanto, essas diferenças entre as enfermidades enfrentadas por homens e mulheres são explicadas pelas desigualdades claras entre o funcionamento dos corpos de ambos, tanto no âmbito físico quanto no psicológico. E, por isso, o que é prometido pelas leis e direitos humanos, não é vista da mesma forma pelos que vivem a realidade atrás das grades.
IV. MATERNIDADE
Em relação à maternidade, segundo diversos relatos, nem aposentos e nem médicos estão sempre disponíveis para atender às mães, sendo assim, ocorrem partos em acomodações inadequadas e os bebês, durante amamentação, dormem com as mães até mesmo no chão, em condições de precariedade.
Tanto as mães como os bebês enfrentam sérias consequências devido às condições da gravidez na prisão, os inúmeros casos de depressão afetam a mulher de forma direta e levam para os bebês que ainda se encontram na barriga esses fatores.
As mudanças hormonais que acontecem com qualquer gestante tomam uma dimensão muito maior do ponto as encarceradas, somadas aos problemas das prisões e à alimentação carente em nutrientes de grande importância para o desenvolvimento do feto, aumentando assim, as chances de desenvolvimento de depressão pós-parto, que foi comprovada mais frequentes entre mulheres presas do que em mulheres em situação de liberdade.
Por conta disso, durante os 9 meses de gestação, as mulheres apresentam o direito garantido por lei de receberem exames pré-natais, assim como o auxílio médico. Contudo, na prática, muitas vezes são fornecidas às gestantes apenas um exame, quando oferecido.
E, de maneira totalmente desumana e precária, no momento do parto, as mulheres nem sempre são levadas ao hospital, e em vários casos, devem se manter presas à cama o tempo todo por algemas durante o procedimento, tendo o bebê dentro das celas ou até mesmo nos banheiros e a grande maioria dos presídios não obedece a lei que determina a existência de lugares específicos para as recém tornadas mães e os seus bebês em período de amamentação.
E, por conta de todas essas situações, está evidente que existe uma falha por parte da sociedade em relação à estas mulheres, sendo a grande maioria mulheres jovens, mães de família, baixa escolaridade, em sua maioria negras, que lidam com o racismo diário, junto ao machismo da sociedade brasileira. E por isso, é necessário, que o Estado promova a igualdade, dignidade da pessoa humana, agindo em prol da ressocialização e de um tratamento digno e humano nas prisões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INFOPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2014. Pág. 15. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf. Acessado em: 24/08/2022.
BRITO, Débora. Humanização de presídios femininos é defendida em audiência pública. Agência Brasil, 2017. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-04/audiencia-publica-discute-violencia-de-genero-nos-presidios-femininos. Acessado em: 24/08/2022.
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